domingo, 12 de agosto de 2012

Look out the Window... capitulo 4


Eram 15h da tarde. Coloquei à chave à porta. Como por magia a cusca da vizinha do andar de cima. Já punha as orelhas de fora à escuta. Malditas mexeriqueiras. Gostava de ter a vida delas. Sempre de papo para o ar, cagando postas de pescada. “ Se fosse comigo, já tinha mudado a situação… se fosse comigo blá blá. ”
    O Necas e a Brownie. Mal me encaminhei para dentro, correram na minha direcção. Estava na hora de leva-los a passear. Após o passeio, subi de novo as escadas, com os dois mafarricos satisfeitos e fui sentar-me no sofá em segunda mão que comprara nos Classificados. Tratava-se de um sofá de 2 lugares, em tecido canelado, cor branco-pérola, com aplicações de madeira/verga em wenguê[1]. Impermeabilizado.
    A foto da minha avó parecia estar olhando para mim, do seu altar improvisado, no centro da parede da minúscula sala de salar jantar/estar. Dizendo-me para arriscar. Não. Eu já sofri e até chorei sozinha e sem ninguém. Para a minha avó os homens eram escumalha da grossa. Quem me garantia que este, Leandro? Era assim o seu nome. Não era um tubarão à espera de arraia-miúda para se enfartar? No centro da parede, a minha avó continuava observando-me misteriosamente. Será que o aparecimento deste homem na minha vida era um sinal? De algo melhor? Deveria mesmo ir? Tive a vaga ideia de que a minha avó me piscara o olho impulsionando-me a ir.
Ergui-me do sofá mais atenuada, por ter tido a sua bênção e caminhei a passos longos para o meu armário.
    O que deveria levar? Não tinha nada de jeito, nunca fui muito de vestidos e saias. Sempre me gozaram em adolescente e tentaram desnudar-me. De calças ou calções e sapatos de salto raso ou sandálias de cunha sempre me fizeram ter mais confiança e comodidade. Mas era um encontro caramba, não podia ir vestida de maneira trivial. Até que encontrei meio recôndito no fundo do meu armário um vestido leve de um rosa pálido, decote discreto em V e tamanho. Adequadíssimo para me encontrar com um homem. Quanto ao calçado optei por umas sandálias de rasteira flat fechadas nos calcanhares e à frente imitando o chinelo. Estava nervosa.
    Ainda faltavam 2horas para o encontro. Tinha tempo para um duche tonificante. Escolhi a minha melhor lingerie. Era branca com bordados em renda. E a cueca a condizer. Que sorte nunca ter ligado ao conjunto que a sua avó lhe pagara antes de partir… 
     Todo o meu corpo estremecia a cada toque das gotas de água do chuveiro. Um encontro com um homem desconhecido e sem querer ser ousada. De tirar o folego a qualquer jovem. Pára! Esses são os piores com que uma mulher se pode cruzar. Puxei a toalha e enrolhei-a à volta do meu corpo. Diante do espelho, estava indecisa sobre que penteado levar. Solto ou puxado e amarrado no alto da cabeça? Hum. Solto. Tinha um cabelo ruivo meio selvagem, comprido. Embora escadeado com uma pequena franja disfarçada.
    Já pronta. Coloquei-me novamente diante do espelho e maquilhei-me. Eu. Logo eu que nunca liguei a mariquices dessas. Mal me reconheci no espelho.
Ao deixar tudo em casa em ordem. Despedi-me dos meus pequenos e pedi-lhes que me desejassem sorte. Sentia-me entusiástica. Perto do meu carro conferi se nenhum ignóbil condutor dissimulado de raposa lhe tinha dado um toque. Não. Entrei. Após ter colocado a chave na ignição o rádio começou de imediato a tocar uma música que ouvira há anos quando era ainda pequena:
“ … sei que amor tomou conta do meu coração. Eu nunca mais quero lembrar daquilo que passou. Sei que esse amor. Irá fazer de tudo me esquecer. Quero bem alto ao mundo inteiro gritar que posso dizer adeus solidão…
Já chega. Estou farta desta música. Procurei outra estação e novamente:
“… sei que agora encontrei tudo que eu sonhei…”


[1] Madeira tropical, de cor muito escura com uma figura distinta de um forte perdiz padrão. A madeira é pesada e dura, ideal para pisos e escadas.

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