Eram 15h da tarde. Coloquei à chave
à porta. Como por magia a cusca da vizinha do andar de cima. Já punha as
orelhas de fora à escuta. Malditas mexeriqueiras. Gostava de ter a vida delas.
Sempre de papo para o ar, cagando postas de pescada. “ Se fosse comigo, já
tinha mudado a situação… se fosse comigo blá blá. ”
O Necas e a Brownie. Mal me encaminhei para dentro,
correram na minha direcção. Estava na hora de leva-los a passear. Após o
passeio, subi de novo as escadas, com os dois mafarricos satisfeitos e fui sentar-me no sofá em segunda mão que
comprara nos Classificados. Tratava-se de um sofá de 2 lugares, em tecido canelado, cor branco-pérola,
com aplicações de madeira/verga em wenguê[1].
Impermeabilizado.
A
foto da minha avó parecia estar olhando para mim, do seu altar improvisado, no
centro da parede da minúscula sala de salar jantar/estar. Dizendo-me para
arriscar. Não. Eu já
sofri e até chorei sozinha e sem ninguém. Para a minha avó os homens eram
escumalha da grossa. Quem me garantia que este, Leandro? Era assim o seu nome. Não
era um tubarão à espera de arraia-miúda para se enfartar? No
centro da parede, a minha avó continuava observando-me misteriosamente. Será
que o aparecimento deste homem na minha vida era um sinal? De algo melhor?
Deveria mesmo ir? Tive a vaga ideia de que a minha avó me piscara o olho
impulsionando-me a ir.
Ergui-me
do sofá mais atenuada, por ter tido a sua bênção e caminhei a passos longos
para o meu armário.
O que deveria levar? Não tinha nada de
jeito, nunca fui muito de vestidos e saias. Sempre me gozaram em adolescente e
tentaram desnudar-me. De calças ou calções e sapatos de salto raso ou sandálias
de cunha sempre me fizeram ter mais confiança e comodidade. Mas era um encontro
caramba, não podia ir vestida de maneira trivial. Até que encontrei meio
recôndito no fundo do meu armário um vestido leve de um rosa pálido, decote
discreto em V e tamanho. Adequadíssimo para me encontrar com um homem. Quanto
ao calçado optei por umas sandálias de rasteira flat fechadas nos calcanhares e à frente imitando o chinelo.
Estava nervosa.
Ainda faltavam
2horas para o encontro. Tinha tempo para um duche tonificante. Escolhi a minha
melhor lingerie. Era branca com bordados em renda. E a cueca a condizer. Que
sorte nunca ter ligado ao conjunto que a sua avó lhe pagara antes de
partir…
Todo o meu corpo
estremecia a cada toque das gotas de água do chuveiro. Um encontro com um homem
desconhecido e sem querer ser ousada. De tirar o folego a qualquer jovem. Pára!
Esses são os piores com que uma mulher se pode cruzar. Puxei a toalha e
enrolhei-a à volta do meu corpo. Diante do espelho, estava indecisa sobre que
penteado levar. Solto ou puxado e amarrado no alto da cabeça? Hum. Solto. Tinha
um cabelo ruivo meio selvagem, comprido. Embora escadeado com uma pequena
franja disfarçada.
Já pronta.
Coloquei-me novamente diante do espelho e maquilhei-me. Eu. Logo eu que nunca
liguei a mariquices dessas. Mal me reconheci no espelho.
Ao deixar tudo em casa em ordem. Despedi-me dos meus pequenos
e pedi-lhes que me desejassem sorte. Sentia-me entusiástica. Perto do meu carro
conferi se nenhum ignóbil condutor dissimulado de raposa lhe tinha dado um
toque. Não. Entrei. Após ter colocado a chave na ignição o rádio começou de
imediato a tocar uma música que ouvira há anos quando era ainda pequena:
“
… sei que amor tomou conta do meu coração. Eu nunca mais quero lembrar daquilo
que passou. Sei que esse amor. Irá fazer de tudo me esquecer. Quero bem alto ao
mundo inteiro gritar que posso dizer adeus solidão…
Já
chega. Estou farta desta música. Procurei outra estação e novamente:
“…
sei que agora encontrei tudo que eu sonhei…”
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