O tempo passa e com ele horas, dias e anos de
recordações. Dentro delas existem duas secções – as que nos marcam pela
positiva e as que nos marcaram pela negativa e por sua vez dentro destas,
existem mais duas sub-secções – as boas que vamos esquecendo gradualmente até
não passar de um sonho e as más, que por muito tempo que passe jamais se
deterioram.
Recordo-me,
então para infelicidade minha, os dias a fio que achando que não, fui bastante
feliz, com aqueles que verdadeiramente amava. Porém posso dizer que são mais as
más recordações que me assombram e persistem que as boas. Por vezes dou por mim
a especular se não foram apenas sonhos. Apenas as ruins teimam em ficar como
úlceras dilacerantes que esquartejam-me a alma e os sonhos de tão inverossímeis
que parecem ser actualmente. Hoje acompanhada pelo meu fiel amigo Philipe, o meu cão, vejo
nos seus olhos todos os cães que já perdi e a certeza de que ele é a junção de
todos para poder me redimir dos erros que cometi. Para onde quer que vá ele vem
comigo. Sempre que preciso ele está lá. Não são necessárias palavras para que
me possa entender e me reconfortar. Nunca me pede nada em troca e nunca me
julga. Acredita em mim cegamente e cegamente me defenderá se esse for o caso.
Mas não disso que se trata. Nem é disto que vos queria falar. Até tê-lo, perdi
muitos seres, chorei copiosamente por eles. E mortiferamente tentei apagar esta
dor. Infligindo uma superior ou então tentando acabar comigo logo de uma só
vez. Porém sempre surgiu um anjinho de quatro patas me impedindo de cometer
suicídio e solicitando o meu amor e carinho. Mas a vida fora má para comigo e
perdi-os. Talvez por culpa minha na maioria dos casos e por falta de
consciencialização. Muitas vezes também por falta de posses. Hoje no meu
coração carrego incontáveis remorsos e saudades estranguladoras.
Acho que agora posso entender o que muitos animais sentem
quando os donos os largam e nunca mais voltam, ou quando simplesmente os
desprezam e maltratam. Aquele olhar muitas vezes por detrás de um vidro. Aquela
esperança imortal de que tudo vai voltar ao normal. Agora sinto o que sentem
quando tenho de ir embora, quando os vejo pela janela ou quando saio uma porta.
Eles estão lá olhando e esperando que retorne. E se nunca mais voltar, eles
continuaram lá. Vivos ou mortos. Mas continuaram lá. E também sei que quando
estiveram em apuros chamaram por nós e vai acontecer não estares lá para os
salvares.
Hoje posso
dizer que não tenho vontade de ver ninguém ao meu redor. Fechei todas as portas
de comunicação para comigo. Há que dizer não a quem nos engana e manobra todos
os dias. Por isso escolho ficar aqui só, mas não tão só, porque tenho a eles,
os meus anjos caídos. Fecharam as asas porque ainda não chegou a hora de voar. A missão deles para connosco não é nenhum
jogo de diversões. E enquanto a humanidade não vir isso, nunca saberemos o que
é amar o próximo e fazer o bem sem olhar a quem.
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