quarta-feira, 7 de novembro de 2012

A arte do apetite


O sentido do gosto e da comida nunca foi encarado por filósofos como interessante, pois, comer era visto como um acto intrínseco à nossa natureza animal e, essencial à nossa sobrevivência, daí este ser um tema tão menosprezado pelos pensadores. Como ajuda ao desinteresse deste tema temos também o facto do prazer gustativo ser visto como uma excentricidade pois, servia para mera satisfação de desejos, desejos esses que não estavam ao alcance de concretização de todos!
Como o gosto nos permite experienciar diferentes sensações, sabores e texturas, considerados pessoais e particulares para cada um, bem como as preferências gustativas, os filósofos, pela subjectividade da questão, desvalorizaram o seu estudo.
filósofos, pela subjectividade da questão, desvalorizaram o seu estudo.
            É então que surge este livro “El sentido del gusto”, que consiste numa investigação sobre o gosto, os seus objectos e o seu consumo. Para que percebamos isso há que ter em conta tudo o que o rodeia e, para isso há que estudar um conjunto de factores complexos.
            Desde há muito que se sabe que o cérebro recebe informações através dos 5 sentidos, são eles: a Vista, a Audição, o Tacto, o Olfacto e o Gosto. Todos os sentidos são importantes à sobrevivência pois cada um tem uma função que nos permite uma melhor percepção do mundo que nos rodeia, e usados em conjunto eles completam-se entre si, contudo há sentidos que à partida têm uma maior importância, pois são os mais utilizados e mais evasivos.
A Visão é então o [sentido] considerado mais importante hierarquicamente pois é essencial para o desenvolvimento de conhecimento que, aliado à audição, segundo sentido da hierarquia, são considerados os superiores pois têm maior percepção sensorial pois recebem maior quantidade de informação. Por último, estão o olfacto, o gosto e o tacto, que nos dão a possibilidade de disfrutar dos mais variados prazeres. Daí serem também considerados sentidos corporais pois também a apreciação de cada um deles é pessoal e a sua percepção bem como o seu significado é diferente para cada um de nós. Contudo, a apreciação em geral de um prato, tem em consideração o que foi percepcionado por todos os sentidos no geral.
            A comida e a refeição em si, apesar de discriminadas, desde sempre que tiveram um importante papel significado cultural e social. É uma actividade inserida no dia-a-dia, na hospitalidade perante os outros, nas cerimónias religiosas e cívicas, daí também a sua vulgar representação nas obras de arte, usadas para diferenciar classes sociais, representar festividades ou até mesmo o mero dia-a-dia.
            O capítulo V estuda as representações dos sentidos e da comida nas artes plásticas, ou seja, em quadros que demonstrem a cozinha, a comida, a variedade de significados nelas intrínsecos e toda a envolvência desta prática. A representação da comida na arte oscila entre banquetes apetitosos e comida básica. Esta oscilação é retratada para transmitir ao espectador diferentes sensações, desde o apetite e desejo de provar até sensações de náusea ou mesmo repulsão.

            Para podermos avaliar a representação dos alimentos e do gosto nas artes e até mesmo na comida, temos que nos distanciar da ideia de que a comer é essencial à sobrevivência e pensar apenas na comida como produto cultural que pode ter, aí sim, diferentes significados.
É perceptível a presença da hierarquia dos sentidos expressa também nas representações artísticas, através da forma como as imagens estão representadas, sentidos esses que são sujeitos a interpretação.
Os alimentos, tal como toda a mesa são representados pela “natureza morta”. As formas e as cores utilizadas, bem como a decoração, a arquitectura e os significados tradicionais estão presentes e transmitem sensações que podem despoletar conexões eróticas. Contudo, na sua maioria, os quadros representam comida agradável e atractiva, contrapondo com outros que a expressam como algo perigoso e horrível.
A arte é, assim, “o mundo onde os alimentos só se podem saborear como representações”.1
            Nos tapetes intitulados “La Dame à la licorne”, os sentidos estão representados nas 5 primeiras peças, cada um através de um objecto específico, contudo não estão ligados entre eles; na sexta peça, há como que uma junção e ligação de todos eles [tapetes].

1 - El sentido del gusto: Comida, stética y filosofia; cap.5, pág. 203
Na obra, em geral, não se percebe grande preocupação na demonstração dos elementos ligados aos sentidos e, como há no quadro, uma frase que diz “ só segundo os meus desejos”, a autoridade dos sentidos é renunciada, pois o desejo não pressupõe existência de sentidos, para existi
Aí e ao analisar a obra percebe-se que o ser humano tem pouco interesse em exercitar e desenvolver os seus sentidos.
Os sentidos ainda que intrínsecos à biologia humana quando são considerados e são reflectidos passam a ter significados baseados nas nossas crenças e num grau de importância atribuído por nos, através da reflexão dos sentidos.
Alguns artistas seguiram alinha de pensamento que considera que os sentidos são apenas um reflexo do espírito e do intelecto.
            O quadro “La Alegoría de los cinco sentidos” de Jan Bruegel, está minuciosamente pintado cada detalhe correspondente a cada um dos sentidos.
O abuso arriscado do gosto e a sua associação ao apetite sexual são causas de desejo, contudo, para além do gosto o olho também tem o seu papel na estimulação do desejo. É interpretado o apetite como uma forma de satisfação do desejo.
            Em “La naturaleza muerta” de Lubin Baugin, a mesa está coberta com objectos representativos dos sentidos. Esta representação realista ajuda-nos a perceber a composição do nosso reconhecimento dos sentidos lá representados.
            No realismo as escolhas iconográficas são perceptíveis e tentam dar excelência aos sentidos a representar, todavia esta representação pode significar muito mais que um sentido, pode ter outro tipo de conexões com o mundo. Usualmente os sentidos são representados por: flores/olfacto; espelho/visão; instrumentos musicais/audição; mãos e exploração com dedos/tacto; alimentos/gosto. Porém, o pão e o vinho podem ser símbolo para os cinco sentidos, esta ideia vai também ao encontro da dimensão espiritual, da eucaristia cristã que, nos alude à dimensão espiritual do gosto.
            A natureza morta é uma representação fiel da realidade de objectos e alimentos que não se movem e que fazem parte do quotidiano, estes são importantes para narrar o valor simbólico dos alimentos. A técnica mais utilizada é a pintura a óleo que apela visualmente e consequentemente também ao sentido do gosto e do apetite; o ilusionismo confere-lhe, ainda uma maior estimulação.
A tranquilidade da natureza morta é afectada pela excitação do apetite, que impede a contemplação pura da obra, e, é isso, que diminui o valor deste tipo de pintura, pois na interpretação da obra o apetite do espectador fala mais alto que o seu intelecto. A ideia de futilidade e simples representação da realidade leva à desvalorização desta arte, todavia se houvesse um estudo pormenorizado da obra e os seus objectos fossem desmistificados perceberíamos que a natureza morta é intelectual em tudo o que a constitui. A principal desvalorização prende-se com o facto de as representações não serem consideradas independentes da nossa natureza humana de prazer e satisfação.
            Na representação do apetite, a arte foi importante em espaços públicos como atractivo e como uma tentação ao consumo, quase como uma técnica de marketing.

            Em geral, considero que qualquer que seja a representação apela sempre aos sentidos, é, sem dúvida, um tipo de arte que tem uma apreciação subjectiva pelo valor e apreciação que cada um de nós dá aos alimentos, juízo este que não pode ser impessoal nem desprovido de qualquer valor simbólico para o indivíduo. É, sem dúvida, um tema alvo de discussão devido à sua subjectividade e, por isso, tema interessante de estudo e comparação.


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