O sentido do gosto e da comida nunca foi encarado por filósofos
como interessante, pois, comer era visto como um acto intrínseco à nossa
natureza animal e, essencial à nossa sobrevivência, daí este ser um tema tão
menosprezado pelos pensadores. Como ajuda ao desinteresse deste tema temos
também o facto do prazer gustativo ser visto como uma excentricidade pois,
servia para mera satisfação de desejos, desejos esses que não estavam ao
alcance de concretização de todos!
Como o gosto nos permite experienciar diferentes sensações,
sabores e texturas, considerados pessoais e particulares para cada um, bem como
as preferências gustativas, os filósofos, pela subjectividade da questão,
desvalorizaram o seu estudo.
filósofos, pela subjectividade da questão, desvalorizaram o seu
estudo.
É então que surge
este livro “El sentido del gusto”,
que consiste numa investigação sobre o gosto, os seus objectos e o seu
consumo. Para que percebamos isso há que ter em conta tudo o que o rodeia e,
para isso há que estudar um conjunto de factores complexos.
Desde há muito
que se sabe que o cérebro recebe informações através dos 5 sentidos, são eles:
a Vista, a Audição, o Tacto, o Olfacto e o Gosto. Todos os sentidos são
importantes à sobrevivência pois cada um tem uma função que nos permite uma
melhor percepção do mundo que nos rodeia, e usados em conjunto eles
completam-se entre si, contudo há sentidos que à partida têm uma maior
importância, pois são os mais utilizados e mais evasivos.
A Visão é então o [sentido] considerado mais importante
hierarquicamente pois é essencial para o desenvolvimento de conhecimento que,
aliado à audição, segundo sentido da hierarquia, são considerados os superiores
pois têm maior percepção sensorial pois recebem maior quantidade de informação.
Por último, estão o olfacto, o gosto e o tacto, que nos dão a possibilidade de
disfrutar dos mais variados prazeres. Daí serem também considerados sentidos
corporais pois também a apreciação de cada um deles é pessoal e a sua percepção
bem como o seu significado é diferente para cada um de nós. Contudo, a
apreciação em geral de um prato, tem em consideração o que foi percepcionado
por todos os sentidos no geral.
A comida e a
refeição em si, apesar de discriminadas, desde sempre que tiveram um importante
papel significado cultural e social. É uma actividade inserida no dia-a-dia, na
hospitalidade perante os outros, nas cerimónias religiosas e cívicas, daí
também a sua vulgar representação nas obras de arte, usadas para diferenciar
classes sociais, representar festividades ou até mesmo o mero dia-a-dia.
O capítulo V
estuda as representações dos sentidos e da comida nas artes plásticas, ou seja,
em quadros que demonstrem a cozinha, a comida, a variedade de significados
nelas intrínsecos e toda a envolvência desta prática. A representação da comida
na arte oscila entre banquetes apetitosos e comida básica. Esta oscilação é
retratada para transmitir ao espectador diferentes sensações, desde o apetite e
desejo de provar até sensações de náusea ou mesmo repulsão.
Para podermos
avaliar a representação dos alimentos e do gosto nas artes e até mesmo na
comida, temos que nos distanciar da ideia de que a comer é essencial à
sobrevivência e pensar apenas na comida como produto cultural que pode ter, aí
sim, diferentes significados.
É perceptível a presença da hierarquia dos sentidos expressa
também nas representações artísticas, através da forma como as imagens estão
representadas, sentidos esses que são sujeitos a interpretação.
Os alimentos, tal como toda a mesa são representados pela
“natureza morta”. As formas e as cores utilizadas, bem como a decoração, a
arquitectura e os significados tradicionais estão presentes e transmitem
sensações que podem despoletar conexões eróticas. Contudo, na sua maioria, os
quadros representam comida agradável e atractiva, contrapondo com outros que a
expressam como algo perigoso e horrível.
A arte é, assim, “o mundo onde os alimentos só se podem saborear
como representações”.1
Nos tapetes
intitulados “La Dame à la licorne”, os sentidos estão representados nas 5
primeiras peças, cada um através de um objecto específico, contudo não estão
ligados entre eles; na sexta peça, há como que uma junção e ligação de todos
eles [tapetes].
1 - El sentido del gusto: Comida, stética y
filosofia; cap.5,
pág. 203
Na obra, em geral, não se percebe grande preocupação na
demonstração dos elementos ligados aos sentidos e, como há no quadro, uma frase
que diz “ só segundo os meus desejos”, a autoridade dos sentidos é renunciada,
pois o desejo não pressupõe existência de sentidos, para existi
Aí e ao analisar a obra percebe-se que o ser humano tem pouco interesse
em exercitar e desenvolver os seus sentidos.
Os sentidos ainda que intrínsecos à biologia humana quando são
considerados e são reflectidos passam a ter significados baseados nas nossas
crenças e num grau de importância atribuído por nos, através da reflexão dos
sentidos.
Alguns artistas seguiram alinha de pensamento que considera que os
sentidos são apenas um reflexo do espírito e do intelecto.
O quadro “La
Alegoría de los cinco sentidos” de Jan Bruegel, está minuciosamente pintado
cada detalhe correspondente a cada um dos sentidos.
O abuso arriscado do gosto e a sua associação ao apetite sexual
são causas de desejo, contudo, para além do gosto o olho também tem o seu papel
na estimulação do desejo. É interpretado o apetite como uma forma de satisfação
do desejo.
Em “La naturaleza
muerta” de Lubin Baugin, a mesa está coberta com objectos representativos dos
sentidos. Esta representação realista ajuda-nos a perceber a composição do
nosso reconhecimento dos sentidos lá representados.
No realismo as
escolhas iconográficas são perceptíveis e tentam dar excelência aos sentidos a
representar, todavia esta representação pode significar muito mais que um
sentido, pode ter outro tipo de conexões com o mundo. Usualmente os sentidos
são representados por: flores/olfacto; espelho/visão; instrumentos
musicais/audição; mãos e exploração com dedos/tacto; alimentos/gosto. Porém, o
pão e o vinho podem ser símbolo para os cinco sentidos, esta ideia vai também
ao encontro da dimensão espiritual, da eucaristia cristã que, nos alude à
dimensão espiritual do gosto.
A natureza morta
é uma representação fiel da realidade de objectos e alimentos que não se movem
e que fazem parte do quotidiano, estes são importantes para narrar o valor
simbólico dos alimentos. A técnica mais utilizada é a pintura a óleo que apela
visualmente e consequentemente também ao sentido do gosto e do apetite; o
ilusionismo confere-lhe, ainda uma maior estimulação.
A tranquilidade da natureza morta é afectada pela excitação do
apetite, que impede a contemplação pura da obra, e, é isso, que diminui o valor
deste tipo de pintura, pois na interpretação da obra o apetite do espectador
fala mais alto que o seu intelecto. A ideia de futilidade e simples
representação da realidade leva à desvalorização desta arte, todavia se
houvesse um estudo pormenorizado da obra e os seus objectos fossem
desmistificados perceberíamos que a natureza morta é intelectual em tudo o que
a constitui. A principal desvalorização prende-se com o facto de as
representações não serem consideradas independentes da nossa natureza humana de
prazer e satisfação.
Na representação
do apetite, a arte foi importante em espaços públicos como atractivo e como uma
tentação ao consumo, quase como uma técnica de marketing.
Em geral,
considero que qualquer que seja a representação apela sempre aos sentidos, é,
sem dúvida, um tipo de arte que tem uma apreciação subjectiva pelo valor e
apreciação que cada um de nós dá aos alimentos, juízo este que não pode ser
impessoal nem desprovido de qualquer valor simbólico para o indivíduo. É, sem
dúvida, um tema alvo de discussão devido à sua subjectividade e, por isso, tema
interessante de estudo e comparação.
Sem comentários:
Enviar um comentário