Ainda me lembro da ingenuidade infantil, acreditando em super-heróis e na premissa “tu podes fazer a diferença”, até ao dia em que toda a fantasia alucinante é desmascarada. O nosso sonho cruza-se com novos caminhos, novos desafios, novas ameaças e fatais decisões. Então inicia-se um face omissa da vida, da nossa vida em que afastamos quem amamos, apoiamos as causas erradas, renegamos-nos a nós próprios, lesiona-mo-nos, desistimos de ser quem somos, para ser quem os outros, entendem que devemos ser! E o sonho que outrora tivéramos acrescido dos demais, se desfaz. A vida não é um mar de rosas, a magia não existe, relações começam e acabam, por vezes até mais rápido que o florir de uma planta. Mata-se e trai-se por pura vaidade e egoísmo. Inveja, raiva, rancor são plantados desde cedo nos corações das crianças e adolescentes e inflamados pelos adultos conspurcados e os mídia. Basta um só minuto em frente do ecrã de um portátil ou da própria Tv para encarar a dura e crua realidade. Pais que violam filhos, filhos que assassinam pais, amigos que atraicionam-se mutuamente, falsidade em cada sorriso doce. Maridos ou esposas homicidas e psicopatas, estrupos e roubos contrastantes. É estranho, tão estranho tudo isto. Eu estive sempre aqui, sempre, e... nunca me apercebi da verdadeira realidade. E sinceramente, eu nem me recordo como era antes disto. Mas sei que não era mais um ser tresmalhado, não é isso que as minhas fotos transparecem.
Quanta ingenuidade, quanta burrice, muitos dirão. Mas quando era pequena, pequenita, sonhava em tornar-me uma mulher bem sucedida, boa esposa e excelente mãe juntamente com um marido de carácter e que me amasse incondicionalmente. Cheguei a ter medo de nunca ser desejada por nenhum homem e de fracassar mediante os espelhos dos outros. Surge o 1º namorado, 1º beijo, 1ª experiência amorosa. Pais, amigos, avós, inimigos, amores, vida, escola, sonhos. Um turbilhão de informação e mudanças para assimilar e nós somos apenas um. Uma cabeça, um corpo, um ser normal! Nessa altura ninguém enxerga o nosso íntimo realmente, como se ele fosse transparente como as águas cristalinas do árctico. Como se fosse Deus. E se aproximasse de nós e dissesse: “ Posso ver todas as lágrimas que já choraste. Toda a dor e cicatrizes que te deixaram fria, traumatizada e desconfiada. Posso ver todos os medos que te atormentam. A sufocante tempestade que te consume e mata a cada dia. Mas não acredites em todas as mentiras que te foram ditas. Eu estarei sempre aqui para te amparar. Vou mostrar-te o caminho de volta para viveres de novo. Vou amar-te sempre até quando não passares de um ser desfeito e amedrontado e me mandes embora. Eu vou aqui estar, para ti. ”
Acorda! De repente à minha volta tudo está desmoronado, nada de “bem sucedida”, nada de amor! Nada de namorado! Nada de nada! Não passo de um receptáculo desguarnecido e frívolo. Quebra-se a máscara que nos oculta a cara e gritamos: Ama-me! Eu quero ser amada! Tudo o que eu queria era ser amada e respeitada! Essa pessoa que supostamente estaria aqui para nós. Não existe! Ela só dura o tempo necessário de paixão e depois vai embora. Até o amor de pais já não é duradouro e cada vez se esmorecesse mais e mais. Nada já vale a pena mesmo.
Dei um salto quando ele me tocou. Eu não sabia que ele estava aqui o tempo todo me ouvindo. Tinha os olhos ainda embaciados pelo choro compulsivo e o rosto assombrado pelos pesadelos quando ele tomou as minhas mãos entre as suas, mas rapidamente as retirei violentamente. Não queria a sua pena, os seus carinhos, as suas palavras de conforto. Visto que só nestas horas é que ele decidia demonstrar o seu amor por mim. Para mim isto já não basta, não prova nada, não me dá confiança e segurança. Eu não me sinto amada! Só mais uma “boa pegada”. Se nós dois continuarmos esperando por aquilo que deixamos para trás, eu serei a única lesada. Tenho de seguir o meu rumo sozinha! Com falsidades, derrotas, ódios, mágoas, amor ou sem. Não foi isto que desejei para mim há vinte e dois anos atrás. Isto tudo ao meu redor não passa de uma enorme farsa. ADEUS. Com um olhar quase de desespero, fechou os olhos e enterrou a cara entre as mãos. Foi a última vez que eu fui, eu, até aquele momento!
Errei quando descei de ser quem era, para ser o que a vida me impingiu para sobreviver. O meu coração sempre teve a mania de olhar para o lado errado e complicado da história, e depois nunca soube quando devia ficar ou ir embora. Se eu pudesse, eu mudaria toda a
minha história e de muitos outros...
«COMO nos achamos sem nunca nos perdemos?»
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