- Como foi a saída?
– Perguntou a minha avó, entrando em casa.
- Nada de especial.
Almoço, cinema, passeio...
Pouco
tempo tinha passado, depois de me ter entregue a Théo. A fantasia e calor do
momento duraram ínfimos minutos. Tão
fugral e tão ardente... e tão nada! Que mais poderia esperar? É bem feita. Ele
não é homem, nunca foi. E jamais saberá sê-lo. Fui mesmo fraca. E agora como
vou encarar o mundo? Sinto desesperadamente uma enorme necessidade de morrer.
Eu já não sou mais eu, desde aquele instante...
Descartou-me que nem uma folha de
papel amassada. A vida dele continuava, e eu não fazia parte dela. Como sempre.
O dia acabou mais rápido que o previsto, porque tinha uma festa para ir. Já
estava muito atrasado. E a culpada fora eu. Naqueles momentos, perto dele no
trajecto para casa, senti-me no papel da outra, a que está fora de cena. A
devassa e ... a amante! A que se usa e joga fora. A que não presta para casar.
Apenas divertir por ser nova... se ele soube o quanto chorei nessa noite. Ou as
lágrimas que contive durante o tempo todo junto dele, só para não perder o
resto do meu amor próprio. Desde muito nova que acreditara estar guardada para “algo
grandioso”. Daí tantas provações, perdas... não isto.
Sempre acreditei ser superior. Não
me importar com patetices. E coisas do género. Mas depois que o invólucro que
nos diferencia é quebrado. Nada é como acreditávamos ser. Já não pensamos da
mesma forma. Nasci mesmo para ser ferrada e me ferrar nesta vida maldita...
- Francis! Quando é
que sais dessa casa de banho? – Gritou-me a avó.
- Já vou. Que
chata.
Caíra a noite, estava sozinha
novamente. Sozinha e vagueando em pensamentos e tumultos. A minha cabeça não
parava de me fustigar e dilacerar. Os conselhos e avisos da minha avo
serpenteavam à minha volta e me olhavam ferozmente. Tal fera atroz impaciente para
atacar.
- Parem! Já chega!
Parem...
Valeu-me o sono
pesado da minha avó. Caso contrário, teria acordado e visto o aparato. Ela era
a última das pessoas a saber...
Enlouquecida e alucinada com as
parcas cervejas que roubara do frigorífico para afogar as minhas mágoas. Estas
por burrice minha. Dei por mim obcecada com o brilho do meu canivete Butterfly.
Tão brilhante e apelativo. Agarrei-o e comecei a brincar com ele. Desenhando
trilhos sobre a minha pele. Até que descuidara-me e... sangue. Quente. Vermelho.
Inebriante...
- Francis!- Ouvi a
minha avó chamar.
Senti um forte
puxão. Fora arrancada brutalmente do meu devaneio deprimente. Assustada com a
hipótese de ser descoberta. Tinha de acordar...! Tinha de esconder o corte.
- Sim, avó? O que
foi?
- Podes vir aqui à
avó?
- Vou já. Espera um
pouco. Estou na casa de banho. – Respondi eu, pressionando o corte com uma
compressa e ligando a mão com fita adesiva.
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