segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Porquê Agir Moralmente? Ética e Interesse Pessoal



A ética está associada ao estudo de valores morais fundamentados que orientam o comportamento humano em sociedade. Porém segundo Singer (2002): “A ética parece ter-se desenvolvido a partir do comportamento e dos sentimentos dos mamíferos sociais. Tornou-se diferente de todas as outras coisas que podemos observar nos nossos parentes não humanos mais próximos, quando começámos a utilizar as nossas capacidades de raciocínio para justificar o nosso comportamento...” A moral são costumes, regras, tabus estabelecidos por cada sociedade, porém, no sentido prático as suas finalidades são muito semelhantes. Ambas são responsáveis por construir as bases que servirão de guia na conduta do ser humano, determinando o seu carácter, altruísmo e virtudes, bem como por ensinar a melhor forma de agir e se comportar em sociedade. Se é que se pode fazer tal facto sem se cair em contradição connosco mesmos, como frisa Almeida (2011) dizendo: “Falamos contra a mentira, mas somos capazes de pedir para uma criança que atenda ao telefone pedindo-lhe que minta dizendo que não estamos em casa, somos capazes de parar em cima da faixa de pedestres ou passar pelo acostamento se a estrada estiver congestionada. Cada um desses actos está transmitindo para as nossas crianças no que realmente acreditamos ou o que realmente nós achamos importante.” Mas quando isto acontece há fortes indícios da acção poder não ser moral.
Algo que acontece no dia-a-dia e se pode apelidar de Interesse Pessoal e Singer (2002) também o frisa com a seguinte citação: “Nada faremos que prejudique a nossa economia porque primeiro está o mais importante, que são as pessoas que vivem na América.” Torna-se evidente que a interpretação social da realidade não possui um padrão universal que a autentique. Uma vez que cada acto das nossas vidas está influenciado pelas nossas concepções de interesse pessoal, ou seja, todas as nossas acções estão sempre de acordo com as visões que temos da vida, do tempo e da lei divina. Contudo com o passar dos anos as pessoas têm mudado os seus padrões e desenvolvendo “resistências” a determinadas ocorrências. Porém do ponto de vista de Giddens (2000) “A democracia das emoções não implica falta de disciplina ou ausência de respeito. Apenas procura colocá-las em perspectivas diferentes.” 

As pessoas passaram a olhar mais para o seu umbigo que propriamente a preocuparem-se com os outros, que não elas próprias, esquecendo-se dos sentimentos e das respectivas consequências dos seus actos. Escondendo-se por detrás de uma máscara com a convicção de que viver eticamente é duro e desconfortável, envolve muitos sacrifícios “contra” nós mesmos e por isso no geral nada compensador (Singer, 2005). Mas Giddens (2000) frisa: “ Como toda a medalha [há] um reverso...” Hoje se for necessário prejudicar um colega de trabalho ou outra pessoa qualquer para atingir os fins, ninguém pensa duas vezes. Um exemplo muito frequente que se passa nos dias de hoje é o caso do Bullying nas escolas. Calcula-se que entre 5% a 35% das crianças em idade escolar de alguma forma estejam envolvidas em condutas agressivas na escola, actuando como vítimas ou agressoras tendo como consequências prováveis a longo prazo perdas na auto-estima, comportamentos anti-sociais, produção em larga escala de cidadãos stressados, deprimidos, reduzida capacidade de auto-afirmação e de auto-expressão e/ou jovens depressivos aos 23 anos (Almeida, 2011). Este nefasto fenómeno causa sofrimento e dor e interfere drasticamente nos processos de aprendizagem e socialização, podendo deixar graves sequelas emocionais e sociais para o resto da vida. No entanto, os interessados ignoram as consequências dos seus actos fazendo de tudo para se integrarem em determinados grupos, humilhando e “espezinhando” os diferentes ou simplesmente os que têm regras de conduta dissemelhantes. 

Mas dentro disto ainda existem casos como enganar ou “omitir” a um amigo/colega sobre a resolução de um problema ou a data de entregas de determinados trabalhos. Segundo Almeida (2011) “... qualquer característica que não esteja de acordo com os padrões arbitrários de quem pratica o bullying pode se transformar em “motivo” de perseguição àquele que a possui.” Também Singer (2002) afirma que “..., nunca recusamos... meios através dos quais satisfazemos as nossas necessidades materiais.” 

Tomemos, então, como exemplo prático e verídico o caso de um adolescente que veio de uma classe social pobre, matriculado num colégio particular, com uma conduta moral muito própria e um pouco “retrogada”, mas que contra todas as expectativas atingiu os mesmos patamares que os outros todos e por mais que à sua volta o tivessem tentado “quebrar” nunca conseguiram. E os sintomas de vitima de Bullying sempre estiveram à vista de todos, tanto do Bulling directo como o indirecto (ataques por parte de outros estudante, incluindo palavras, gestos, expressões faciais e contacto físico, exclusão do seu grupo fazendo com que tenha problemas para fazer novos amigos, provocando o isolamento da vítima, levando-a também a procurar a presença de um adulto, dificuldade em falar perante apresentações em público, expressão triste, contusões, feridas, cortes, roupa rasgada). 

As consequências do bullying não alcançam apenas as vítimas, que num futuro próxima poderá conduzir à delinquência. Se a escola não for um espaço para conviver, um espaço para formar cidadãos, um espaço de ética, ela não servirá para nada (Almeida, 2011). 

Outra questão muito debatida são os direitos dos animais, não que todas as espécies (incluindo a nossa) mereça igual consideração. Mas assim como nós que temos interesses políticos ou religiosos, os primatas e mamíferos, pelo menos, na medida em que possuem consciência de si no tempo também têm interesses, um deles é não morrer. 

Já aqueles animais que possuem somente uma consciência instantânea, como é o caso dos peixes, teriam apenas interesse em não sofrer, pondo a hipótese de não ser eticamente ilegítimo matá-los, desde que tal não acarrete sofrimento. 

Por exemplo, a morte de qualquer animal, para consumo humano, não constitui um mal, desde que indolor e que o seu bem-estar seja garantido durante a vida (Instituto de filosofia da linguagem, 2007). 

Mas porquê que uns são protegidos e outros sacrificados para consumo humano? É simples cada cultura tem os seus princípios e valores e animais como a vaca, porco, cabra, ovelha, galinha, pato, peru sempre foram destinados para consumo humano e alguns animais para trabalho, mesmo na Bíblia vem descrito isso. Contudo há culturas em que por exemplo se come carne de cão e de gato. O que pessoalmente abomino, uma vez que segundo uma pesquisa feita pelo Professor Gregory Berns, de neuroeconomia da Emory University estes animais têm sentimentos como as crianças (Mural Animal, 2013). 

Perante tais argumentos onde está a ética quando milhares de animais são abandonados e mortos por ano pelo ser humano? Eu apenas vejo interesse pessoal nestes actos, principalmente porque as pessoas “olham” para os animais como simples objectos que se pode comprar e deitar fora. Pontapear, abandonar quando se tornam fardos insuportáveis e dispendiosos! 

Eu experienciem várias situações deste tipo e muitas vezes senti-me incapacitada e revoltada porque não pude fazer nada. A própria justiça ignora estes factos, ignora a ética pela qual se devia reger, mas nunca ignora os seus interesses pessoais! São tantos os casos infelizes, que torna-se insuficiente todas as palavras e acções que se prenunciam sobre o caso. “O mundo não pode [continuar a] fechar os olhos enquanto se cometem violações grosseiras e sistemáticas dos direitos humanos (Singer, 2002).” Há que estabelecer-se limites e leis robustas sobre o tema de uma vez por todas (Dias, 2005). 

O que conhecemos como realidade não se apresenta da mesma forma para cada um de nós. Como pudemos saber se a nossa avaliação pessoal da realidade é idêntica, ou pelo menos semelhante aos demais? 

“Crer na punição eterna da alma pelos erros de uns poucos anos, sem dar-lhe a chance de ser corrigir, é o contrário a todos os ditames da razão (Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, 1998).” Esta avaliação, como é óbvio, dependerá de vários factores: entre os quais inteligência, formação educacional, ambiente social e familiar, crenças pessoais – adquiridas ou infundidas, entre outros (Giddens, 2000). 

Uma pesquisa da Junior Achievement/Deloitte demonstrou que “… of those surveyed, 38 percent feelit is sometimes necessary to lie, cheat, plagiarize, or engage in violence to succeed (Ferrell, 2000).” Outro exemplo também de Ferrell (2000) foi de que “… many students do not define copying answers from another student’s paper or downloading copyrighted music or content for classroom work as cheating.” Vejamos então, agora mais um caso prático e verídico. 

Num acidente de viação o último a bater é sempre culpado. Mas nem sempre isso é verdade, daí a existência da lei para averiguar a verdade. Pois bem nesta situação em particular quem causou o acidente de viação foi um condutor de idade avançada que se dirigia num dia de chuva para o médico, e no cruzamento onde existem dois sinais diferentes, o sinal fechou para quem virar à esquerda, mas devido às condições envolventes, esse condutor assumiu que o sinal fechara para si, ou seja para quem seguia em frente. Ora os outros condutores que seguiam atrás, deparando-se com a situação dentro do seu tempo de reacção travaram de imediato, porém nem a uma distância de segurança e só um super carro poderia conseguir parar e manter-se imobilizado com um piso molhado e ainda por cima escorregadio, chovendo torrencialmente aquando de uma travagem abrupta sem aviso com o semáforo verde. É neste contexto que a lei do que bate por trás é culpado torna-se contestável. E é também neste contexto que entra a ética versus o interesse pessoal. 

O causador do acidente acusou de imediato o último de não cumprir a distância de segurança e de vir distraído porque o sinal estava vermelho. Nesta situação o problema é entregue a uma seguradora. E como qualquer empresa o objectivo principal de uma empresa é ter lucro, certo? E nesta situação foi isso mesmo que aconteceu, prevaleceu o interesse pessoal. O último a bater perdeu a causa e ficou no prejuízo, novamente a vitória do interesse pessoal em detrimento da ética. O lesado não investira num carro para agora, tê-lo inutilizado à porta e por isso solicitara orçamentos a diferentes especialistas. Obteve várias respostas e quase todas disseram o mesmo de que o abate era a melhor opção ou então que o arranjo do cujo seria praticamente o preço do mesmo de quando fora comprado, logo não compensava e visto que se tratava de um carro antigo. 

Mas lá no fundo todos queriam ficar com o carro pelo menor preço possível para eles próprios, uma vez que o carro estava “quase novo” e apesar do choque em cadeia o carro continuava a andar. Logo tendo mão-de-obra e ferramentas tinham em mente concertá-lo e pô-lo à venda novamente. Perante tal facto tão óbvio, optara por não mandar para abate o carro e aceitar a proposta de orçamento dada por um especialista muito mais em conta. 

Pode dizer-se que muitas empresas, já perceberam que se não possuírem ética empresarial poderão abrir falência mais depressa do que o tempo que levaram para abrir a mesma. E segundo Ferrell (2000) “… businesses must balance their desires for profits against the needs and desires of society. Maintaining this balance often requires compromises or trade-offs (…) Principles often become the basis for rules. Some examples of principles include freedom of speech, fundamentals of justice, and equal rights to civil liberties.” 

Perante todas estas evidências tenho de concordar com o autor Vargas (2005) quando diz que “... não importa a maneira como se vai conseguir algo, se é de maneira lícita ou ilícita, se é mentido ou falando a verdade. O importante é conseguir..., não importando os meios ou maneira como irá consegui-lo.” 

Todavia nem sempre é assim, existem pessoas que não pensam só em si, consoante os seus valores morais, os seus princípios e a sua ética de vida impecutidos, medem a importância das coisas que para si realmente têm verdadeiro valor e significado (ex: (Homeward Bound: The Incredible Journey, 1993), (Lassie, 1994), (Mural Animal, 2013) e (Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, 1998)). E tal como Singer (2005) defende “Alguém ganha, alguém perde. ‘[Mas] ... se a vida for considerada meramente como um jogo, acabará por chegar a uma altura em que deixará de nos interessar’.”



Bibliografia
Almeida, C. P. d. S. e. L. C. P. d., 2011. Bullying em ambiente escolar. Enciclopédia Biosfera, VII(12), pp. 179-190.
Ferrell, O. C.;Ferrell, J. F. e. L., 2000. Business Ethics - Ethical Decision Making and Cases. (capitulo 1 e 2). 8 ed. USA: South-Western Cengage Learning.
Dias, E. C., 2005. Os animais como sujeitos de direito. [Online] 
Available at: http://www.abolicionismoanimal.org.br/artigos/os_animais_como_sujeitos_de_direito.pdf
[Accessed 09 12 2013].
Giddens, A, 2000. O Mundo na Era da Globalização. Lisboa: Presença.
Homeward Bound: The Incredible Journey. 1993. [Film] Directed by Duwayne Dunham. USA: Walt disney.
Instituto de filosofia da linguagem, 2007. Direitos dos animais. [Online] 
Available at: http://www.ifl.pt/private/admin/ficheiros/uploads/abe5ba48ec993ccb227f5bb7fed20388.pdf
[Accessed 9 12 2013].
Lassie. 1994. [Film] Directed by Daniel Petrie. USA: Paramount.
Mural Animal, 2013. Cães Tem Sentimentos Como Crianças. [Online] 
Available at: http://muralanimal.blogspot.pt/2013/12/caes-tem-sentimentos-como-criancas.html
[Accessed 18 12 2013].
Sic notícias, 2013. Cão recusa-se a abandonar outro cão morto no meio da estrada, China: Sic notícias.
Singer, P., 2005. Como Havemos de Viver? A ética numa época de individualismo. Lisboa: Dinalivro. 
Singer, P, 2002. Um Só Mundo. A Ética da Globalização (capitulo 1). Lisboa: Gradiva.
Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados, 1998. Que acontece conosco quando morremos?. Espanha: Watchtower Bible and Tract Society of New York.
Vargas, R., 2005. Os fins justificam os meios. 1 ed. Lisboa: Gradiva.

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